Folgo com a ideia que muito me apraz de ver que, finalmente, incluímos no debate jurídico o termo de referência propriamente dito como tema merecedor da importância que mesmo tenha, por tratar da fase de deflagração do processo licitatório e, por isso mesmo, absolutamente sensível à saúde de todo o percurso construído a partir dali.
Até então, tínhamos apenas voltado nosso olhar para o procedimento licitatório, ou seja, como se deve fazer um pregão, o registro de preços, a concorrência, a contratação direta e, relevado tudo, deixamos de lado as duas pontas mais consideráveis sob o meu ponto de vista: a fase interna da licitação, do qual o termo de referência é o mote, e a gestão e fiscalização dos contratos decorrente mesmo dele, quando 0º e 360º se encontram definitivamente pelo encerramento de um ciclo perfeito.
Ora, a concepção do termo de referência, do qual decorrerá toda a gestação do processo licitatório até que se conclua, afinal, com o nascimento com vida do que se pretendeu realizado ou adquirido, não vem recebendo a atenção necessária e, quase sempre, a crítica que se faz é que, natimorto o defluxo do que se sabia não havia mesmo de se concluir de outra forma, tão fragilizada se apresentava a pretensão primeira, ou seja, tão maculado o termo de referência então concebido.
Toda licitação traz implícita uma presença de intencionalidade relativa à aquisição ou realização de uma coisa ou obra ou serviço, e exige, portanto, a representação prévia do real quando o termo de referência se nos apresenta, filosoficamente, como esta projeção do saber daquilo que se pretende, antecipadamente, adquirido ou realizado. O objeto que se quer licitado tem, no termo de referência, a representação da realidade que se intenta a partir de um propósito. Até o advento do pregão, não se falava na construção deste documento. A fase inicial da licitação era construída por documentos esparsos, tais como pedido da área requisitante, pesquisa mercadológica, dotação orçamentária, incluídos no processo de forma segmentada.
Com a regulamentação do pregão, a etapa preparatória passou a ter uma outra roupagem, exigente agora de um documento em que se condensem as informações relativas à contratação desejada, atendendo à demanda de organização e facilitação no que respeita, inclusive, ao manuseio dos autos do processo licitatório.
Ora, ainda que os normativos exijam o termo de referência apenas para instruir a modalidade pregão, o que vem ocorrendo, inclusivamente por meio de recomendação de alguns tribunais de contas, é que esse documento instrua todas as modalidades licitatórias, até mesmo a contratação por dispensa ou inexigibilidade, quando por objeto se elenque bens e serviços comuns. Nada mais óbvio, já que não vislumbramos como possa a Administração abdicar das providências conexas ao TR, como sejam, exemplificativamente, definição do objeto, motivação, critério de aceitação de proposta, elementos capazes de propiciar a avaliação do custo pela Administração.
Assim posto, há de zelar-se pela produção deste documento, já que, como bem o explica Jair Santana1, o termo de referência contém o código genético da licitação e do contrato que venha a ser concebido daí. A metáfora é apropriada no sentido de se registrar que é desse documento que constam todas as informações nevrálgicas e essenciais à garantia da compleição íntegra de toda a licitação.
Mas ainda há uma outra questão a colocar-se, seja a necessidade de saber-se quem deve especificar e elaborar o termo de referência e quem deve autorizar a deflagração do processo licitatório propriamente dito. A resposta encontra-se no art. 9º do Decreto nº 5.450/2005, que esclarece que é atribuição do órgão requisitante a elaboração de termo de referência, bem como primordial que se manifeste a autoridade competente para a autorização do evento licitante.
Aponte-se aqui que, por vezes, essa atribuição é delegada ao setor de compras que, obviamente, não tem como acercar-se, seja o esmero necessário à determinação das condições técnicas do objeto a ser licitado, da participação efetiva de técnicos das diversas áreas da Administração Pública, comprometendo, absolutamente, a elaboração eficiente do TR.
Por isso, a recomendação de que a elaboração do TR se dê de forma multissetorial, o que nos tem feito sugerir a criação de um grupo operacional, formado por cada um dos atores envolvidos na contratação, componentes da área requisitante, seja cotista, pregoeiro e fiscal de contrato, responsáveis todos por dar sua contribuição de modo a se evitar contratações indesejadas. Tal sugestão se conformou a partir da observação de que, dentro das unidades administrativas em que esses atores atuam, estes procedem de forma segmentada, sem qualquer interação ou comunicação, o que imputa um atraso significativo na deflagração do processo, que vai e volta reiteradas vezes, a que chamo de momento ioiô, que leva até ao desgaste dos envolvidos, subjetivamente falando-se, porquanto cheguem a crer que toda ação nociva se dá como reflexo de má vontade ou com o objetivo de, simplesmente, macular-se o outro.
Esse conluio de forças parece complexo, mas o formato hoje adotado na Administração Pública acaba por comprometer absurdamente a contratação, na medida em que o processo vai e volta em um atendimento mínimo de expectativas, seja frustrante o resultado.
Tudo por dizer-se que a efetividade do TR só pode ser alcançada com a partilha de responsabilidades e o engajamento dos diversos setores da unidade administrativa envolvida, valorado, ainda, o fato de o Termo de Referência ser um documento complexo, composto por várias partes, como sejam o objeto, a justificativa, a pesquisa mercadológica, o elenco de obrigações estabelecidas entre as partes, entre mais, podendo chegar- -se a mais de quarenta elementos, como atestou por base uma pesquisa realizada pelos meus alunos da pós-graduação, em uma demonstração de que a composição do TR vai depender, sobretudo, da metodologia do órgão que o vai empreender.
De toda maneira, é importante que se tenha que cabe ao Termo de Referência permitir a aferição da real pretensão do Poder Público, e não apenas isso, mas também a simplificação da elaboração de uma eventual proposta cabível de ser feita pelo fornecedor, exigindo-se, portanto, do servidor público, uma atenção ciosa na construção do termo de referência, de modo a alcançar-se uma licitação feita e perfeita, para que o Poder Público possa cumprir o papel que a lei lhe oferta como um querer universalmente reconhecido porque é vontade de todos.
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