Tatiana Martins da Costa Camarão Mestre em Direito Administrativo pela UFMG
Fausto Vieira da Cunha Pereira Advogado, Pós-Graduado em Administração Pública
O pregão é a modalidade de licitação destinada à aquisição de bens e serviços comuns, que se caracteriza pela concentração de diversos atos em um único momento (sessão do pregão) e pela inversão das fases do procedimento e apresentação de lances em que os licitantes podem proceder a alterações de preços de suas propostas em disputa direta.
No Brasil, já tínhamos conhecimento desse procedimento, quando realizávamos licitação com recursos provenientes do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, já que o conjunto de normas que apresentavam as diretrizes a serem observadas pelo contratante (guidelines) previa a pós-qualificação, por via da qual o comprador abre todas as propostas e examina a documentação do licitante classificado em primeiro lugar.
A implantação dessa modalidade no Brasil vai ao encontro da necessidade de realizar uma reformulação da lei em vigor. O governo federal entendeu que havia premente necessidade de mudanças da Lei nº 8.666/93, por ser ela demasiadamente pesada, rotulada como complexa e causadora de verdadeira enxurrada de contesta- ções judiciais, que paralisavam ou dificultavam as atividades e ações da Administração Pública.
Nesse sentido, tivemos a edição da Emenda Constitucional nº 19, publicada no DOU de 5.6.1998, que pretendeu promover o que se convencionou chamar de reforma administrativa do Estado.
A emenda introduziu modificações buscando implantar a administração gerencial, cujo objetivo é a gestão pela qualidade total. Com relação às contratações públicas, foram introduzidos novos procedimentos tendentes ao aperfeiçoamento dos certames seletivos para compras, obras, serviços e alienações.
Seguindo essa orientação de administração gerencial eficiente, o Executivo federal criou novos mecanismos para facilitar a vida do administrador público.
O maior avanço promovido pelo governo federal nas licitações se deu com a regulamentação do Sistema de Registro de Preços, 1 por meio do Dec. Federal nº 2.743/98, revogado pelo Dec. Federal nº 3.931/01, e com a criação do pregão, que, inclusive, integrava o “Programa Redução de Custos na Aquisição de Bens, Obras e Serviços” do plano plurianual 2000/2003 do governo federal.
Sob o aspecto normativo, inicialmente, o pregão foi adotado de forma exclusiva pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, por força da Lei nº 9.472/97.
Com a publicação da Lei nº 9.986 (DOU de 19.7.00), também as Agências Reguladoras foram autorizadas a implantar essa nova modalidade de licitação, conforme previsto na Lei nº 9.472/97.
A possibilidade de utilização geral veio com a Medida Provisória nº 2.026, alterada pela Medida Provisória nº 2.182-18/01. TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATO
Em 8 de agosto de 2000, foi publicado o Dec. Nº 3.555, que regulamentou o procedimento e listou os bens e serviços comuns. Foi alterado por duas vezes pelos Decs. Nos 3.693, de 20.12.00, e 3.784, de 6.4.01.
No dia 17 de julho de 2002, tomando como referência o Projeto de Lei de Conversão nº 19/ 02, da Medida Provisória nº 2.182-18, de agosto de 2001, foi instituída, por meio da Lei nº 10.520, de 17.7.02, a caçula das modalidades de licitações, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Esta lei previu duas formas de realização do pregão: a presencial e a eletrônica.
Cumpre esclarecer, inicialmente, a diferença entre pregão presencial e pregão eletrônico.
O pregão presencial pressupõe a presença física da pessoa que o conduz e dos representantes das pessoas que participam do procedimento. É realizado nos moldes tradicionais, ou seja, os atos de abertura das propostas, oferecimento de lances e abertura dos documentos são realizados em sessão pública, com a presença do pregoeiro, membros da equipe de apoio e licitantes ou seus representantes presentes. No pregão presencial, os proponentes praticam todos os atos na sessão pública.
Já no pregão eletrônico, os atos são praticados num ambiente virtual, por meio de tecnologia da informação. Os proponentes se reúnem virtualmente (pela Internet) para participação e apresentação de suas propostas.
Até o presente momento, a forma presencial ainda é a mais utilizada. Segundo pesquisa realizada pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, foram realizados no âmbito federal 3.024 pregões eletrônicos contra 11.257 pregões presenciais.4 Para inverter esses dados e considerando o pregão eletrônico o mecanismo mais transparente e eficiente para as contratações públicas, o governo federal editou o Dec. Nº 5.450/05, que regulamenta o pregão, na forma eletrônica, exigindo no seu art. 4º que na contratação de bens e serviços comuns será obrigatória a utilização da modalidade pregão, sendo preferencial a utilização da sua forma eletrônica.
Não satisfeito com essa imposição e em resposta a uma série de denuncismos de superfaturamento e direcionamento das compras realizadas pelo governo federal, foi editado o Dec. Nº 5.504, de 5.8.05, que estabeleceu a exigência de utilização do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, para entes públicos ou privados, nas contratações de bens e serviços comuns, realizadas em decorrência de transferências voluntárias de recursos públicos da União, decorrentes de convênios ou instrumentos congêneres, ou consórcios públicos.
De acordo com esse decreto, portanto, atualmente é obrigatória a adoção do pregão eletrônico nas contratações de bens e serviços comuns, haja vista a previsão, no seu art. 1º, § 2º, de que a inviabilidade da utilização do pregão na forma eletrônica deverá ser devidamente justificada pelo dirigente ou autoridade competente. Com efeito, diante deste preceito legal, somente quando impossível a sua utilização é que a Administração poderá optar pela modalidade desejada, justificando sua escolha.
Essa imposição do pregão eletrônico para as contratações de bens e serviços comuns, inclusive para os Estados e Municípios, no caso de realização de despesas de transferências voluntárias da União, mostra-se inconstitucional e excessiva.
Não podemos perder de vista algumas dificuldades existentes nos Municípios no que diz respeito à plena utilização dos recursos da Internet, à adequação dos programas de computação e à operacionalização do procedimento. Além disso, vários outros motivos tornam a eleição do pregão eletrônico inconveniente, se não, vejamos:
A) quando há necessidade de que os licitantes apresentem amostras;
B) quando a contratação demanda a análise de vários documentos que não constam do cadastro de fornecedores, o que implica em envio por meio de fax, descaracterizando a dinâmica do pregão eletrônico;
C) quando é importante que aquela contratação se faça num ambiente de maior disputa, que é melhor atingido com a emoção do pregão presencial, proporcionado pelo contato direto do pregoeiro com os licitantes;
D) quando há nítida dificuldade para o exercício do direito de defesa e opacidade da tão falada transparência tendo em vista que os licitantes, por estarem em meio virtual, não têm acesso aos documentos remetidos pelo licitante vencedor, bem como têm enormes dificuldades de deslocamento para verificação da correção dos atos praticados pelos agentes da Administração no julgamento do certame.
Ora, se analisarmos a Lei nº 10.520/02, que disciplina a modalidade pregão presencial e eletrônico, podemos verificar que em momento algum há a obrigatoriedade da utilização destas modalidades em prejuízo das outras modalidades previstas na Lei nº 8.666/93.
A esse respeito, cabe trazer à colação o entendimento de Marçal Justen Filho: “A opção pelo pregão é facultativa, o que evidencia que não há um campo específico, próprio e inconfundível para o pregão. Não se trata de uma modalidade cuja existência se exclua a possibilidade de adotar-se convite, tomada ou concorrência, mas se destina a substituir a escolha de tais modalidades, nos casos em que assim seja reputado adequado e conveniente pela Administração”.
Como podemos ver, a obrigatoriedade da utilização do pregão eletrônico mostra-se inconveniente e ilegal, por contrariar a Lei nº 10.520/02. Entretanto, enquanto o decreto estiver em vigor e não for, pelos meios próprios, extirpado do ordenamento jurídico, necessariamente deverá ser respeitado e observado pelas Administrações que se submetem a seus termos. Portanto, em face da previsão no Dec. Nº 5.450/05, modalidades tradicionais apenas poderão ser utilizadas nos casos de obras de engenharia, assim como nas hipóteses em que o objeto pretendido requeira análise técnica ou não apresente padrões usuais de especificação no mercado.
Outra questão polêmica que reputamos de grande interesse é a questão da qualificação do objeto da contratação como bens e serviços comuns. Como é sabido, o Dec. Nº 3.555/00 previu no seu Anexo II a relação de bens e serviços comuns. O questionamento que se faz é: deverá ser adotada para a modalidade pregão presencial e eletrônico a relação do Dec. Nº 3.555/00, haja vista que a Lei nº 10.520/02 não fez referência a esta relação, ao contrário, consideram-se bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especifica- ções usuais no mercado?
Ora, se fosse o desejo do legislador infraconstitucional a obrigatoriedade da observância da relação constante do Dec. Nº 3.555/00, teria assim se manifestado, mas não o fez, deixou em aberto para os gestores da Administração Pública a indicação dos bens e serviços comuns. O que importa é, quando da descrição do objeto, que este possa ser objetivamente definido no ato convocatório, no que concerne a seu padrão de desempenho e qualidade. Se houver necessidade de maiores especificações e análise técnica deixa de ser bens e serviços comuns.
Observe-se, também, sobre a qual mercado se referem a lei e seu regulamento. De fato, o que se vê é que os “mercados” são vários: o mercado de peças e equipamentos de petróleo, por exemplo, pode não ser comum para determinado órgão ou entidade, mas poderá sê-lo para a Petrobrás, decorrendo, portanto, que aqueles bens que para os funcionários de uma entidade ou área administrativa não são comuns, para os especialistas serão, assim como serão facilmente encontráveis no “mercado” específico mediante especificações “usuais”. O mercado de peças e componentes para computadores e periféricos pode não ser comum para todos, mas para técnicos da área certamente que poderão corresponder às exigências legais de enquadramento como “comuns”.
Observe-se, então, que a ideia de obrigatoriedade de uso da modalidade pregão para bens e serviços encontra inadequação à vista da restrição que pode impor à discricionariedade do administrador na determinação da melhor alternativa para determinada compra ou contratação de serviços, mesmo que comuns.
Outros apontamentos se fazem também necessários no que diz respeito ao procedimento do pregão. Vejamos. Para participação no certame eletrônico, os licitantes devem estar credenciados perante o provedor do sistema eletrônico, que receberão chave de identificação e senha, pessoal e intransferível, para acesso ao sistema. Se o licitante não se credenciar, fica impedido de participar da licitação, haja vista que não terá os meios necessários para acessar o sistema. Ocorre que o Dec. Nº 5.450/05 estipula no parágrafo único do art. 13 a necessidade de o licitante cadastrar-se no Sicaf e manter-se qualificado, sob pena de descredenciamento, o que importa a suspensão automática da chave de identificação e senha.
Essa vinculação do credenciamento ao Sicaf mostra-se ilegal, pois na Lei nº 10.520/02 não há essa exigência. Ao contrário, trata-se de uma opção do licitante em apresentar a documenta- ção exigida no edital ou substituí-la pela apresentação do certificado cadastral (art. 4º, XIV).
Com toda certeza, o cadastro prévio torna mais célere e eficiente o pregão eletrônico, facilitando o desenvolvimento de todo o procedimento. Assim, faz-se necessária a mudança da legislação vigente para que possamos realizar a cobrança do cadastro conforme previsto no decreto.
Outra exigência que é feita no art. 21, §§ 2º e 3º, do Dec. Nº 5.450/05, que regulamenta o pregão eletrônico, é de que, para participação no procedimento, o licitante deverá manifestar-se, em campo próprio do sistema eletrônico, que cumpre plenamente os requisitos de habilitação e que sua proposta está em conformidade com as exigências do instrumento convocatório. A declaração falsa relativa ao cumprimento dos requisitos de habilitação e proposta sujeitará o licitante às sanções previstas no decreto, bem como às penas do tipo penal de falsidade ideológica, conforme o art. 299 do Código Penal.
Neste ponto, cabe um esclarecimento, pois há necessidade de proporcionalidade entre a sanção e o ato ilícito praticado. Nada obsta, inclusive, que a Administração abstenha-se de punir o licitante com a sanção prevista no art. 7º da Lei nº 10.520/02, se entender que o licitante não agiu com má-fé, o que deverá ser apreciado no caso concreto, a par do princípio da razoabilidade a que se submete quando da prática de seus atos.7
Não estamos aqui defendendo o perdão do licitante, mas, sim, que sejam aplicadas penas proporcionais à falta praticada, haja vista que as penas previstas no art. 28 do Dec. Nº 5.450/05 são muito graves, podendo, por conseguinte, ser fixadas outras penalidades no ato convocatório, conforme dispõe o art. 87 da Lei nº 8.666/93, para fazerem face a infrações menores ou que tenham sido praticadas de boa-fé.
Outra questão que reputamos de grande interesse diz respeito às propostas comerciais que, pelo critério dos 10%, não foram qualificadas para a fase de lances. Vem acontecendo com freqüência que representantes de uma única marca, no número de três, apresentam propostas, e só eles passam para a fase de lances, o que acaba formando um cartel. Ora, entendemos que há um prejuízo à competitividade e um incentivo ao conluio, pois se evita a disputa de outros interessados, só para atender ao dispositivo legal. Fica, deste modo, fácil para os fabricantes conduzir o resultado de uma licitação, pois basta disponibilizar três representantes para participar do certame para atingir o percentual previsto em lei e expulsar os demais concorrentes. Resta claro, portanto, que, no caso de propostas com a mesma marca, torna-se possível classificar as demais acima dos 10% para permitir uma maior competitividade.
Faz-se necessário, neste ponto, discorrermos sobre a questão do fracionamento no pregão, já que esta modalidade não está sujeita ao critério valorativo, mas, sim, qualitativo.
A Lei nº 8.666/93 determina no seu inc. IV do art. 15 que “As compras, sempre que possível deverão ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade”. Outrossim, no seu art. 23, § 1º, a Lei de Licita- ções e Contratos estipula que as “compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à amplia- ção da competitividade sem perda da economia de escala”.
Sob essa ótica, claro está que não há que falar em fracionamento quando as contratações importarem na busca de competitividade e de vantagem para a Administração.
Não é possível que se faça vários certames em função da falta de planejamento, que é hoje um dos pilares da gestão fiscal responsável. Não podemos perder de vista que a contratação da integralidade do objeto é, muitas vezes, mais econômica para a Administração.
Nesse sentido é o entendimento de Jessé Torres Pereira Junior:
“(…) o fato do cabimento da modalidade pregão independer do valor estimado do objeto não afasta o zelo que a Administração deve manter com respeito à economicidade, que está à base da censura ao fracionamento de objeto. Este se verifica quando a Administração, podendo prever a integral necessidade do objeto para o exercício, prefere fracionar a sua aquisição em lotes, ao longo do mesmo exercício e à custa do mesmo orçamento, com o fim de escapar do dever de licitar, ou de licitar segundo modalidades menos amplas.
É criminável tal procedimento porque, em tese, comprar-se em menor quantidade eleva o preço da unidade, cuja redução se obtém quando se compra em grande quantidade. É a regra da economia de escala. A situação não se modifica pelo só fato de a licitação realizar-se sob a modalidade pregão. Deve a Administração cuidar de evitar o fracionamento porque também no pregão poderá passar-se o mesmo fenômeno”.
Portanto, em síntese, devemos realizar as contratações conforme o planejamento anual, a não ser que, justificadamente, o parcelamento se mostre mais vantajoso para a Administração Pública.
Aspecto ainda importante no que se refere ao “fracionamento”, que como já se viu não existe no pregão, salvo, evidentemente, as ressalvas acima apontadas, é a situação da publicidade, isto é, a divulgação do pregão é realizada em função do valor estimado da contratação. Assim, caso a Administração, ainda que em conformidade com o bom planejamento, opte por dividir uma compra de valor de R$ 1.000.000,00, em dez pregões de R$ 100.000,00, a divulgação (publicidade) deverá se dar, para cada um deles, como se fora para a totalidade. Isto porque a divulgação deve ser tanto mais ampla quanto maior for o valor da contração, nos termos do art. 11 do Dec. Nº 3.555/00, art. 4º da Lei nº 10.520/02 e art. 17 do Dec. Nº 5.450/05.
São estes os breves comentários que nos pareceu oportuno fazer, esperando que este trabalho sirva de modesta contribuição para provocar maiores discussões sobre o tema que acabamos de abordar.
Referências Bibliográficas
(* BLC – Boletim de Licitações e Contratos, São Paulo, Editora NDJ, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005.
Informativo de Licitações e Contratos Administrativos, Curitiba, Zênite, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004.
JACOBY, Jorge Ulisses Fernandes. Sistema de Registro de Preços e Pregão, 2ª ed., Belo Horizonte, Fórum, 2005.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico, 2ª ed., São Paulo, Dialética, 2003.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão Presencial e Eletrônico, 3ª ed., Curitiba, Zênite, 2005.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentá- rios à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, 6ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2003.
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