Aos 30.06.2016 foi promulgada a Lei nº 13.303, nominada “Lei das Estatais”, que traz regras de boa prática na governança corporativa de empresas públicas e sociedades de economia mista, relevando, sobretudo, a garantia da transparência, da integridade, das estruturas propriamente ditas e práticas de controles internos.
Não fosse bastante, essa Lei ainda veio agregar à disciplina geral das licitações e dos contratos administrativos, que vem desafiando, há décadas, o legislador, o doutrinador e os gestores públicos, visto que as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 19, de 05 de junho de 1998, no art. 173, § 1º, inc. III, estabeleceram que as empresas estatais exploradoras de atividades econômicas teriam efetivamente lei específica disciplinando a matéria. Ora, chegou, afinal, a hora de instituírem-se as normas gerais de licitação e contratação para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, inc. III.
O fato é que essa omissão legislativa de mais de dez anos levou à necessidade de que nossos tribunais se pronunciassem acerca do tema, o que gerou uma celeuma enorme, haja vista a pluralidade de entendimentos divergentes acerca das questões postas. Exemplificativamente, temos que o Tribunal de Contas da União firmou posicionamento no sentido de que as estatais deveriam obedecer à Lei nº 8.666/93, quando, por sua vez, o STF1 deferiu medida cautelar postulada pela Petrobras contra decisão do TCU que entendera necessária a utilização da Lei nº 8.666/93.
Desse modo abalizado, vê-se que a regulamentação das licitações das estatais sempre foi um tema delicado e a omissão legislativa contribuiu para a confecção dessa insegurança na gestão dos negócios, que ficaram expostos às divergências jurisprudenciais e acabaram por permitir que a gestão pública fosse feita de acordo com o regulamento baixado por cada entidade.
Daí a importância da Lei nº 13.303/16, que atende a uma necessidade pungente das estatais de implantar um ambiente de negócios mais transparente, seguro, por meio de boas práticas de governança corporativa e compliance, bem como porque estabelece o diploma das licitações e dos contratos.
De toda maneira, o gravame que se constitui aqui é que essa Lei não deixa claro quando entra em vigor as regras contidas nos arts. 28 a 84 da Lei nº 13.303/16, que dispõem sobre licitações e contratos, haja vista a dicção do § 3º do art. 91:
Art. 91. A empresa pública e a sociedade de economia mista constituídas anteriormente à vigência desta Lei deverão, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, promover as adaptações necessárias à adequação ao disposto nesta Lei.
§ 1º A sociedade de economia mista que tiver capital fechado na data de entrada em vigor desta Lei poderá, observado o prazo estabelecido no caput, será transformada em empresa pública, mediante resgate, pela empresa, da totalidade das ações de titularidade de acionistas privados, com base no valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assembleia-geral.
§ 2º (VETADO).
§ 3º Permanecem regidos pela legislação anterior procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até o final do prazo previsto no caput
Em face da literalidade da redação do § 3º, nada haveria à interpretação senão que a aplicação da Lei, no caso de procedimentos licitatórios e contratos novos, tem um prazo de vacância de 24 meses, permanecendo os processos licitatórios e contratos administrativos já concluí- dos, até a data de promulgação dessa Lei, regidos pela Lei nº 8.666/93 dentro desse prazo. Ocorre que o art. 91, § 3º, contradiz o disposto no art. 97, que estabelece que a “lei entra em vigor na data de sua publicação”.
Em face dessa incerteza na redação da Lei, a questão é que a incidência imediata ou não das regras contidas nos arts. 28 a 84 da Lei nº 13.303/16 exige respostas que tem de ser trabalhadas doutrinariamente na busca por sua exata compreensão.
A esse propósito, em recente artigo, Joel Niebuhr conclui acerca da redação do art. 91 da Lei nº 13.303/96, que
as estatais que já existem dispõem de 24 meses para promoverem adaptações para o cumprimento da Lei nº 13.303/2016. Além disso, conclui- -se, não precisam cumpri-la. A mesma regra vale para as licitações e contratos, de acordo com o § 3º do mesmo artigo. Ou seja, licitações iniciadas ou contratos celebrados dentro do período de 24 meses a contar da publicação da Lei nº 13.303/16 seguem a legislação tradicional, não devem seguir, ainda que as estatais queiram, o novo regime de licitações e contratos. (NIEBUHR, 2016.)
Diversamente põe-se Renato Geraldo Mendes (2016), ao entender que a Lei nº 13.303/16 está em vigor e deve ser aplicada de imediato pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como por suas subsidiárias, porquanto não tenha sido editada com prazo de vacância, mas sim com regra de direito intertemporal, a que deve ser observada, portanto, apenas para licitações iniciadas e contratos celebrados até 30.06.2016. Nesses parâmetros, as licitações, cujos editais forem publicados a partir dessa data, ou seja, a partir de 1º.07.2016, e os contratos firmados, também, a partir de então devem observar a Lei nº 13.303/16, especialmente os arts. 28 a 84, que regulam o processo de contratação pública.
Como podemos ver, a doutrina apresenta-se distante de um posicionamento uníssono.
Aqui é onde principia a inscrição de nossa contribuição ao debate, primeiro oferecendo a registrar o que proclama a Lei Complementar nº 95/98, que regula a forma de elaboração e redação das leis nacionais, em atendimento ao comando do art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal.
Ora, em seu art. 8º encontra-se disciplinado como se estabelece a vigência da lei. Veja-se:
Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão.
§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.
§ 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula “esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial”.
Verifica-se, da inteligência dos dispositivos citados, que o prazo de vigência da lei inicia-se com sua publicação ou com o advento do termo final da vacatio legis, por meio da fixação de prazo em dias.
Assim, analisando o permissivo contido no § 3º do art. 91, não encontramos a previsão de nenhum período de vacância, o que haveria de se dar por meio da previsão de cláusula que trouxesse a seguinte expressão: “esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial”, conforme determina a Lei Complementar nº 95/98. Em verdade, diante do texto da Lei nº 13.303/16, tem-se por indiscutível a presença de expressões recomendando apenas promover-se as adaptações necessárias à adequação do que traz por disposto.
Veja-se que essa preocupação de adaptação à nova Lei tem razão de ser porquanto se encontram nela vários procedimentos novos, como as mudanças no propósito das licitações, que, agora, devem selecionar a proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; a possibilidade de se adotar a manifestação de interesse privado para o recebimento de proposta; a busca da maior vantagem competitiva para a empresa pública ou sociedade de economia mista, tudo considerando custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social ou ambiental; a observação de política de integridade nas transações com partes interessadas, entre outros.
Ademais, a Lei especificou, em seu art. 97, o início de sua vigência na mesma data de sua publicação, abstraindo qualquer possibilidade de se aplicar o período de vacatio legis.
Se a par de tudo quanto se disse ainda fosse defendido prazo para que os destinatários da Lei tomassem conhecimento de sua existência e fizessem suas adaptações até que ela entrasse efetivamente em vigor, mesmo assim não seria razoável adotar-se um período tão longo como o de 24 meses. Para tanto, basta a observância das regras expostas no próprio Código Civil, que trata da vigência e eficácia da lei e atribui relevância ímpar a essa matéria, quando estabelece, em seu art. 1º, que, salvo disposição contrária, toda Lei começa a vigorar no país 45 dias depois de oficialmente publicada.
Resta claro, portanto, que o Código Civil considera como lapso temporal de 45 dias o suficiente para que se façam as adequações necessárias à nova Lei.
Outrossim, não podemos deixar de mencionar que, enquanto projeto, a Lei das Estatais tramitou em regime de urgência dispensando algumas formalidades regimentais. Ora, não faz sentido, então, ter-se apressada a tramitação e a votação de uma lei para, depois de vê-la concebida, demandar uma gestação de dois anos até seu nascimento.
Daí decorre, inarredavelmente, que fazer a escolha pela coincidência entre a data da publicação e a data de entrada em vigor da Lei das Estatais é a mais acertada, por tudo quanto se tenha dito e porque os normativos que tratam do tema de licitações e contratos sempre entraram em vigor na data da publicação, ficando os órgãos e as entidades com a obrigatoriedade apenas de pavimentar o caminho, adequando seus procedimentos aos ditames da lei. Nesse sentido, cumpre citar o art. 118 da Lei nº 8.666/93, que estabelece ipsis literis que “os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as entidades da Administração Indireta deverão adaptar suas normas sobre licitações e contratos ao disposto na Lei”.
Dessa feita, temos que não há razão para se dar tratamento diverso à Lei das Estatais, sendo certo que os contratos formalizados antes da publicação da Lei nº 13.303/16 permanecerão regidos pela Lei nº 8.666/93 e os novos contratos deverão se submeter às novas regras da Lei nº 13.303/16, que entrou em vigor em 1º.07.2016, todavia, sem perder de vista que as estatais devem promover as adaptações necessárias à adequação aos novos procedimentos previstos para as licitações e os contratos administrativos no prazo de 24 meses.
Referências
MENDES, Renato Geraldo. Está em vigor a nova Lei das Empresas Estatais (Lei 13.303/16)? 18 jul. 2016. Disponível em: . Acesso em: 08 dez. 2016.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Aspectos destacados do novo regime de licitações e contratações das estatais. Revista Colunistas Direito do Estado, ano 2016, n. 209. Disponível em: . Acesso em: 08 dez. 2016.
Como citar este texto: CAMARÃO, Tatiana. Pela aplicação imediata dos arts. 28 a 84 da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Revista Zênite ILC – Informativo de Licitações e Contratos, Curitiba: Zênite, n. 275, p. 15-18, jan. 2017
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